Nas duas últimas décadas, o Brasil foi aquilo que o economista Delfim Netto definiu como o último pernil com batatas disponível no mundo. Com uma política de juros absurda, atraía capitais improdutivos que vinham aqui a passeio e geravam inúmeras distorções na economia – a começar pela taxa de câmbio apreciada.
Nos últimos dias, o pernil foi retirado da mesa, numa decisão que poderá vir a ser lembrada como o marco inaugural do governo Dilma. Até aqui, o que se viu foi apenas a faxina. Agora, começa a construção de uma nova arquitetura macroeconômica, a partir dos seus alicerces. Ao mudar as regras da caderneta de poupança, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, criou as condições para que o Brasil, finalmente, se torne um país normal. Onde a renda advém do trabalho e não da especulação.
Equivocadamente, a decisão do governo Dilma foi interpretada por lobistas da política rentista, que vigorou no Brasil nas duas últimas décadas, como uma guerra contra o sistema financeiro. A guerra não é contra os bancos, mas contra uma postura conservadora de agentes financeiros que lucram bilhões sem assumir riscos, entesourando capital e emprestando o dinheiro dos depositantes para o governo. Na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos, existem bancos fortíssimos que ganham muito dinheiro realizando sua atividade básica, que é a de financiar o desenvolvimento.
Aqui, alguns agentes financeiros terão que aprender a emprestar. E, se até o fim do governo Dilma o crédito saltar de 50% para 100% do PIB, o Brasil terá se aproximado do mundo desenvolvido. Quem acompanhou o movimento com um olhar pessimista preferiu destacar a queda das ações de grandes bancos na Bovespa. Do outro lado, ações de construtoras dispararam. Com juros menores, brasileiros poderão realizar o sonho da casa própria, do novo escritório, de um novo negócio e da realização pessoal. Abre-se, assim, a janela para um país de empreendedores.
Alguns dirão que o Brasil mexeu numa instituição secular, que é a caderneta de poupança. Mas estes, na verdade, não estão preocupados com o dinheiro das velhinhas. São apenas porta-vozes de uma cultura distorcida, que celebrava autoridades que jogavam juros na lua, com seus sacos de maldade, e ridicularizavam o ex-vice-presidente José Alencar, que parecia pregar no deserto contra o rentismo.
Zé tinha razão.
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