domingo, 8 de janeiro de 2012

Vulneráveis, mulheres são vítimas do mercado do sexo

O turismo sexual volta à pauta de discussões em Fortaleza no momento em que se aproximam a alta estação e a Copa Antes mesmo de a noite chegar, elas já estão a postos. Nas esquinas, ruas, becos ou grandes avenidas, muitas vezes encostadas em postes e em muros. A espera é apreensiva. Os pensamentos são muitos. Desde a dívida que precisa ser paga até a comida que tem que ser colocada na mesa para alimentar a família. Dia após dia, a rotina é a mesma. Lidar com os mais diversos tipos de pessoas e se "doar" com competência e frieza, mesmo sem vontade. Assim é a vida de muitas mulheres obrigadas a se prostituir para sobreviver. Situação cruel, mas, às vezes, a única solução que elas encontraram para se manter e manter filhos, pais e mães numa cidade que não oferece condições dignas de sobrevivência. Moças jovens e bonitas, outras já com a marca da idade no rosto enfrentam essa "luta" diária à espera de clientes, de preferência, estrangeiros, porque as "tratam melhor", como elas dizem. Não há censo que as quantifique, estatísticas interligando a opção de vida ao incremento de visitantes no Ceará no período de alta estação, mas, nessa época, não há como fugir da polêmica do turismo sexual. É que aumenta o número de turistas na cidade e de "meninas" nas ruas. Muitos são os casos de exploração e abuso sexual que englobam também a violência. Situação que V.N.N, de 31 anos, bem conhece. Violentada incontáveis vezes por viver muito tempo nas ruas, ela viu na prostituição a única saída para sobreviver. Como afirma, o turismo sexual é uma necessidade mais rentável nessa época. V.N.N começou a trabalhar aos 15 anos após ter fugido de casa por não aguentar as agressões dos pais. "Fazia programa em troca de um prato de comida e de droga. Só tinha o meu corpo para oferecer num momento de desespero", conta. Hoje, V.N.N conseguiu se livrar das drogas e foi acolhida numa instituição da Sociedade da Redenção. Faz curso profissionalizante de cabeleireiro e manicure. O sonho dela é montar seu próprio salão de beleza. "Hoje, eu posso dizer que meus filhos me aceitam. Antes, não tinha o respeito da sociedade, chegava em casa drogada e embriagada. O que me faltava era amor que nunca tive em casa", diz. A atividade parece, na prática, a melhor do mundo. O dinheiro é maior, o horário é "a combinar", mas agora não só os envolvidos estão na história, o Estado começa a tomar parte. O assunto "turismo sexual" volta à tona em Fortaleza no momento em que se aproximam a alta estação e a Copa de 2014. Órgãos públicos estão preocupados com a possível expansão dos casos de exploração sexual que envolvem mulheres e, sobretudo, crianças, o que pode manchar a imagem da cidade perante os visitantes. Na Capital, o problema persiste, apesar dos avanços. Isso porque a arraigada vulnerabilidade social das pessoas contribui, de forma avassaladora, para que os casos continuem acontecendo sem solução urgente. Existe uma relação diretamente proporcional entre a pobreza e a violência sexual. Sem condições dignas de sobrevivência, mulheres são obrigadas a se prostituir, caindo, muitas vezes, nas garras de exploradores. Elas são colocadas no mercado do sexo gerenciado por uma rede de exploradores e aliciadores que atua bem próxima das comunidades. A face mais visível do problema é o turismo sexual que traz estrangeiros para o Brasil, especificamente com o objetivo claro de sexo, apesar de a Associação Mundial de Turismo não reconhecer o "turismo sexual" por condenar a prática de a pessoa viajar em busca de sexo. A coordenadora adjunta da Coordenadoria de Políticas para as Mulheres de Fortaleza, Tatiana Raulino, afirma que a Capital cearense ainda é caracterizada como uma cidade de turismo sexual fácil. "Apesar das mudanças, é uma realidade. O próprio trade turístico se preocupa". Uma das consequências é que o turismo sexual leva ao tráfico. A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP), Andreia Costa, destaca que o turismo sexual é porta aberta para o tráfico de pessoas. "Os aliciadores vão para locais onde existe a prática atrás de mulheres para levar para o exterior", ressalta. O perfil é justamente o de brasileiras que, para os turistas, são "abertas" e "simpáticas", que nunca os rejeitam. A deputada estadual Patrícia Saboya, que presidiu a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Exploração Sexual, acrescenta que o Brasil vai receber milhões de turistas durante a Copa de 2014, e situações de turismo sexual foram detectadas nos dez últimos países que abrigaram o mundial. Preocupação "É um assunto que está na pauta de discussão. Há, hoje, uma preocupação encabeçada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Se não houver um preparo, crianças serão vítimas de exploração sexual, principalmente nos locais que circundam os equipamentos esportivos. Em Fortaleza, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito elaborada pela Câmara Municipal e concluída recentemente, um dos pontos de maior incidência do turismo sexual é a Avenida Padaria Espiritual, ao lado do Castelão. A CPI constatou, por exemplo, a existência de uma rede de agenciadores, em alguns casos estrangeiros, a maioria italianos. Além disso, que o turismo é uma importante via de desenvolvimento econômico para o Estado, mas, quando inserido em um contexto socioeconômico e cultural excludente, é uma porta de entrada para o sexo-turismo. Outra conclusão a qual chegou a CPI é que o modelo de política de fomento ao turismo em Fortaleza é voltado basicamente para infraestrutura física e econômica e é omisso em relação ao ser humano. A deputada Patrícia Saboya completa que, para acabar com a exploração sexual, deve haver uma política específica de combate permanente. "O Ceará tem toda a condição de investir num programa desse tipo. É pouco e é barato oferecer oportunidades às mulheres e aos jovens". Patrícia alerta que é ruim para a cidade e para o turismo familiar que casos de exploração aconteçam. De acordo com a coordenadora de incidência política da Associação Curumins, Márcia Cristine de Oliveira, as políticas públicas existem, mas não com a intensidade que deveria ter porque a demanda social acaba sendo alternativa à exploração. "É preciso chegar antes", finaliza. Leia amanhã Na próxima reportagem da série : mulheres mais vulneráveis socialmente têm como projeto migrar para o exterior em busca de melhores condições de vida. Política pública "O Ceará tem toda a condição de investir numa política de combate permanente à exploração. É pouco e é barato" Patrícia Saboya Deputada estadual Órgãos públicos, entidades e trade já realizam ações Para conter o turismo sexual em Fortaleza durante a Copa de 2014 e a alta estação, órgãos públicos, instituições sociais e o trade turístico já realizam ações. A Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor) realiza medidas de prevenção e sensibilização da sociedade por meio de campanhas. "Além disso, damos oportunidades a jovens e mulheres em situação de vulnerabilidade. Existe um trabalho conjunto da Secretaria com outros órgãos que cuidam do setor. Isso consegue minimizar o problema", lista a coordenadora de planejamento e informação da Setfor, Tatiana Braga. O principal foco é a exploração sexual de crianças. Segundo a coordenadora, a Setfor bate de frente contra a prática. O trabalho é composto por três eixos: prevenção, repressão e acolhimento às vítimas. De acordo com Tatiana Braga, a propaganda de Fortaleza está voltada para a família, o chamado "turismo do bem". "Hoje, poucos estabelecimentos insistem em contribuir com o turismo sexual. São casos isolados". Além disso, as denúncias aumentaram. "A pessoas estão mais sensibilizadas", informa. O secretário do Turismo do Ceará, Bismarck Maia, explica que a secretaria tem feito ações para evitar os crimes ligados ao turismo. Uma delas foi o cancelamento de voos charters. "Rompemos com todo e qualquer apoio no entendimento de que os charters traziam o turismo sexual". Fragilidade Porém, como coloca o secretário, a situação de vulnerabilidade social do Estado ainda é muito frágil. "Se incentivarmos a realização de programas com estrangeiros, as mulheres vão cair. O Governo está atento e tentando inibir a prática. O amparo social tem que ser dado". O presidente da Associação dos Meios de Hospedagem e Turismo do Ceará (AMHT), Waldo Lima, o trade tem recebido material informativo do Ministério do Turismo para distribuição nos hoteis. Além disso, no momento do check-in, existe a verificação da presença de menores. Ele comenta que essas medidas não resolveram o problemas, mas o setor hoteleiro já está pactuando com o combate à exploração e ao turismo sexual. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis (ABIH), Regis Medeiros, o problema é quase inexistente em Fortaleza. "O turismo contribui, hoje, com apenas 4% na exploração sexual". A ressalva é para italianos que continuam a vir para o Ceará em busca de sexo. "Eles compram apartamento e vem para cá", alerta o presidente da ABIH. O presidente acrescenta que quem viaja para o Ceará atualmente são brasileiros, com fluxo de 95%. Além disso, segundo ele, o foco do turismo sexual em Fortaleza abrange apenas a Praia de Iracema. "A prática foi muito combatida na Capital. Os hotéis travaram as portas para isso e, com a crise na Europa, os estrangeiros não têm mais viajado". Regis Medeiros argumenta que não é o turismo que leva à exploração sexual.

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