Para futuro presidente do STF, ideal é que julgamento seja antes do período eleitoral
BRASÍLIA - Sergipano de Propriá, o ministro Carlos Ayres Britto, 69 anos, vai assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quinta-feira. Será dele também a tarefa de presidir o julgamento do mensalão – um evento que ele quer marcar para antes do processo eleitoral, que começa em 6 de julho. Ao Globo, o ministro disse que os partidos políticos no Brasil ainda não têm “consistência ideológica” e, por isso, prefere votar em candidatos, não na legenda. Revelou que, por três vezes, percebeu que votou errado após um julgamento, mas já não havia mais nada a ser feito.
O Globo: O STF está para julgar o mensalão e, dependendo do resultado, o PT pode sair enfraquecido em ano eleitoral.
Ayres Britto - Para nós julgadores, o mensalão impressiona pela quantidade de réus, pelo número de páginas do processo, pelo número de testemunhas. Mas quanto ao nosso ânimo de fazer justiça, ele é um processo igual aos outros. O que nos cabe é perseverar na isenção, na imparcialidade, na análise objetiva das peças do processo, sem prejulgamentos.
O senhor, como presidente do STF, vai pautar o julgamento para breve?
- Seja quem for o presidente do Supremo, um processo dessa envergadura, no campo quantitativo pelo menos, e em ano eleitoral, ele fará o possível para que não corram concomitantemente esse tipo de processo avultado, complexo, e o processo eleitoral. O ideal é que um não corra paralelo com o outro. Se for possível julgar o mensalão antes do dia 6 de julho, quando começa o processo eleitoral, é o ideal.
E se não for possível?
- Paciência.
No segundo semestre, haverá só dez ministros na Corte, porque o ministro Cezar Peluso estará aposentado. E terá começado o processo eleitoral. O senhor pautaria o processo mesmo assim?
- Sim. O ideal é o número 11, ímpar. Mas se só tiver dez, qual o presidente que vai esperar nomear o substituto do ministro Peluso, que você não sabe quando vai acontecer, e deixar o processo sem julgamento? Mas a formatação das decisões será fruto de um consenso. Nada será feito solitariamente, e sim colegiadamente. Dia de julgamento, formatação das sessões, horas de trabalho por dia: tudo será decidido com os demais ministros. A minha administração será rigorosamente compartilhada, dialogada. É da minha natureza isso.
Este será o primeiro ano em que a Lei da Ficha Limpa vai vigorar. O senhor acredita no poder da norma para filtrar os bons candidatos?
Ayres Britto - Sim, ela é uma das mais belas novidades transformadoras do país, porque tem o potencial de qualificar a nossa vida política, e o Brasil precisa de qualidadede vida política mais que tudo.
O senhor fica decepcionado com a política diante dos inúmeros casos de corrupção noticiados diariamente?
- Eu fico entristecido, mas não desalentado, porque jamais devemos desertar da luta por um Brasil passado a limpo. TS Eliot disse o seguinte: “No mundo de desertores, quem toma a direção contrária é quem parece estar fugindo”. Você não tem o direito de abdicar dos seus ideais, dos valores que dão propósito de grandeza à sua vida. Eu fico triste, mas eu não jogo a toalha nunca.
Na hora de votar, o senhor tem dificuldade para escolher os seus candidatos?
- Não, eu faço logo a minha triagem, a minha seleção. Eu sou muito seletivo na escolha dos meus candidatos e nunca experimentei dificuldade maior.
Todos esses casos de corrupção não afetam os candidatos que o senhor costuma escolher?
- Não, porque a cada eleição é possível fazer uma boa triagem ética. Ética antes de tudo, mas técnica também. Você quer votar em pessoas preparadas, em pessoas com condições de representar bem a população, apresentar bons projetos de lei, fazer uma boa administração. Nunca tive dificuldade.
Como ex-integrante do partido, o senhor ainda vota no PT?
- Hoje eu não tenho partido. Hoje o meu partido se chama Constituição, a minha militância é exclusivamente constitucional. Eu ultimamente tenho votado mais em candidatos do que em partidos.
É interessante essa posição, porque em vários votos o senhor procurou fortalecer os partidos em relação aos candidatos, como no caso da fidelidade partidária. O senhor acha que os brasileiros, como o senhor, ainda votam mais em candidatos do que em partidos?
- O ideal seria que você votasse em uma legenda.
Os partidos brasileiros ainda não são bons o suficiente?
- É preciso aguardar mais uns anos para que os partidos obtenham um pouco mais de consistência ideológica. Por enquanto, nos últimos anos, eu tenho votado mais, confesso, em candidatos.
Qual foi o melhor dia do senhor no STF?
- Eutive tantos dias bons... O melhor eu acho que foi quando consegui, numa viragem de jurisprudência, emplacar a tese de que o gozo do direito à aposentadoria voluntária, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, não implica a ruptura automática do vínculo de emprego. Foi uma decisão pouco explorada pela imprensa, mas deu a uma massa de milhões de trabalhadores uma duplicidade de renda. O trabalhador, sem prejuízo do seu salário e do seu vínculo de emprego, passou a ganhar também o benefício da aposentadoria junto ao INSS. Isso significou uma injeção de recursos financeiros na musculatura econômica do trabalho como valor. O poder aquisitivo da classe trabalhadora foi densamente encorpado. Isso me deu uma alegria muito grande, porque isso encurta a distância social.
O senhor foi relator de muitas causas polêmicas no STF. Isso te deu prazer?
- Todas as causas de grande impacto social que eu protagonizei como relator me causaram êxtase profissional: combate ao nepotismo, células-tronco embrionárias, liberdade de imprensa, homoafetividade, Lei da Ficha Limpa, Raposa Serra do Sol... Eu experimentei aqui grandes momentos de alegria pessoal e de honra profissional com essas decisões que transformaram uma cultura nacional, direcionando-a para um estágio civilizatório mais avançado. Digo isso com toda a sinceridade, não é discurso retórico, não.
E qual foi o pior dia que do senhor no tribunal?
- Umas três vezes eu experimentei tristeza quando proferi votos e dois, três dias depois, eu encontrei um equacionamento diferente do que eu havia encontrado na ocasião de votar. Ou seja: eu votei de um jeito e dois, três dias depois, foi que me bateu a inspiração para um equacionamento diferente.
O senhor poderia citar um caso concreto?
- Eu tenho um exemplo, mas não quero citar nesse momento, porque eu vou reabrir feridas. Esse caso até foi pior: eu votei de um jeito, em cima de uma informação, e depois vim a saber que a informação não era procedente.
Ou seja, em três ocasiões o senhor se arrependeu do voto que deu.
- É. Eu encontrei um equacionamento melhor para a causa só alguns dias depois.
E não voltou atrás?
- Não tinha como. A matéria já estava vencida.
O presidente do STF, Cezar Peluso, baixou norma estabelecendo que processos e inquéritos cheguem ao tribunal apenas com as iniciais dos investigados, sem o nome deles. Depois, o relator decide se abre o sigilo ou não. O senhor pretende revogar esse ato?
- Eu não vou mudar solitariamente métodos de trabalho do ministro Peluso, eu conversarei com os outros ministros. Mas, pessoalmente, eu sou pela interpretação ultrarestritiva das normas que sinalizam segredo de justiça. Acho que os processos devem chegar com os nomes. Eu dou às normas que possibilitam segredo de justiça uma interpretação muito restrita. Claro que, em se tratando de menores, ou de casos de família, aí a regra é o sigilo. Fora dessas hipóteses, só casos excepcionalíssimos me levariam a imprimir segredo de justiça à tramitação de um processo.
Como presidente do CNJ, o senhor pretende propor a unificação dos critérios de acesso às informações de processos que tramitam nos tribunais?
- O que eu puder desburocratizar, facilitar, desinibir o acesso, no âmbito do CNJ, eu farei. Já atendendo à Lei de Acesso à Informação, que é uma lei importante.
O senhor é afavor do aumento de salário para ministros do STF?
- Esse é um tema recorrente, que faz parte das reivindicações do Poder Judiciário como um todo. É minha intenção colocar à frente das tratativas o CNJ, e não o Supremo. O CNJ lida com números e pode fazer comparações de sistemas de remuneração entre os poderes. Cabe ao CNJ zelar pela autonomia administrativa, orçamentária e remuneratória do Judiciário. Eu entregarei aos cuidados do CNJ a condução dessa retomada de discussão.
O senhor, enquanto presidente do CNJ, vai encaminhar ao Congresso novos projetos de aumento salarial para o Judiciário?
- Eu vou propor a formação de uma comissão tripartite, com Executivo, Legislativo e Judiciário, para trabalhar em cima de números, de estatísticas, de comparação entre cargos em termos remuneratórios. Na medida em que se confirme defasagem em desfavor do Judiciário, aí batalharemos pela equiparação.
Na avaliação do senhor, o CNJ tem exercido bem o papel de fiscalizar os desvios de conduta dos juízes?
- Acho que o CNJ tem ocupado um bom espaço e realizado bem o seu papel. Eu tenho o CNJ como órgão absolutamente necessário. Longe de ser um problema, para mim é uma solução.
Para o senhor, filhos de ministros do STF e do STJ devem atuar como advogados no tribunal?
- Eu, pessoalmente, entendo que na casa onde trabalha o ministro ou desembargador não deva trabalhar o filho.
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